Para nao esquecer

Para nao esquecer

Não ficção , 1964

Rocco

Para a legião de apreciadores de textos curtos e boas frases o livro Para não esquecer, de Clarice Lispector, é leitura obrigatória. A obra — publicada pela primeira vez em 1964 — reúne 108 crônicas que bem poderiam pertencer a um diário. Ora a autora conta uma pequena história, ora ela simplesmente parece pensar alto. "Os homens têm lábios vermelhos e se reproduzem. As mulheres se deformam amamentando", diz, em Aldeia italiana. No final desse curtíssimo artigo, Clarice resume: "A vida é triste e ampla." A cidade de Brasília merece um dos maiores textos desse livro. A primeira parte foi escrita em 1962 e a segunda, 12 anos mais tarde, quando a escritora retornou à capital brasileira. Em ambas ela fala sobre suas impressões com algum carinho e bastante ironia. "Os ratos adoram a cidade. Qual será a comida deles? Ah, já sei: eles comem carne humana."

Não há ligação entre as crônicas; são anotações para não ser esquecidas. Em Aproximação gradativa ela diz apenas: "Se eu tivesse que dar um título a minha vida seria ‘A procura da própria coisa.’" O tom seco e perturbador não reaparece na crônica A posteridade nos julgará em que ela se dedica a explicar — ou entender — o que é uma gripe. "É a experiência da catástrofe inútil. É um lamento covarde que só o gripado compreende." Pensatas à parte, Clarice Lispector também faz desabafos em seu livro/diário: "Dei inúmeras entrevistas. Modificaram o que eu disse. Não dou mais entrevistas. E se o negócio é mesmo na base da invasão de minha intimidade, então que seja paga. Disseram-me que nos Estados Unidos é assim. E tem mais: eu sozinha é um preço, mas se entra o meu precioso cachorro, cobro mais. Se me distorcerem, cobro multa. Desculpem, não quero humilhar ninguém, mas não quero ser humilhada."